Capítulo 02.09. Gastrite Antral

Alcino Lázaro da Silva
Gilberto Silva Vidal

Generalidades

A gastrite antral, gastrite (local) pré-pilórica ou antrite é uma inflamação do antro gástrico, de etiologia desconhecida, que se inicia na mucosa e a ela pode se limitar ou se estender às camadas mais profundas até mesmo à serosa.1 Diferencia-se da antrite química.4

Incide na terceira década, podendo ocorrer dos 4O aos 7O anos e precocemente aos sete anos de idade. Não há diferença significante entre os sexos.1,3

A maior parte dos pacientes mostra hiperacidez, porém não tão pronunciada quanto a que ocorre na úlcera duodenal, sendo rara a acloridria.1

O uso excessivo de álcool, fumo ou café poderia ser urna das causas; para outros seria primariamente um distúrbio psicossomático no qual o parassimpático estaria sob estimulação excessiva de origem central. Ao lado disso, a administração de atropina, que bloqueia as terminações nervosas parassimpáticas, diminui ou abole os sintomas em alguns pacientes. Os defensores da origem psicossomática da doença afirmam que unia história clínica bem colhida geralmente revelará episódios traumáticos, na maioria das vezes recentes, submetendo o paciente a estresse excessivo. Como suporte da teoria, grupos de pacientes foram controlados radiologicamente por dois anos ou mais realizando-se estudos do trato digestivo superior com intervalos de três meses ou menos. Notou-se que períodos de estresse via de regra determinavam piora sintomática e objetiva (radiológica) do quadro, enquanto ocorria remissão nos períodos de tranqüilidade.3

O prognóstico da gastrite antral é aparentemente bom, embora em algumas ocasiões a ressecção gástrica venha a ser necessária. 8

Não foram seguidos casos suficientes para se determinar a incidência de transformações malignas surgidas em relação com a enfermidade. 8

Patologia

A gastrite é geralmente do tipo hipertrófica, com aumento de espessura. Há infiltração pronunciada da mucosa por linfócitos e quando se limita a ela é freqüente o edema do tecido conjuntivo submucoso. Há diapedese ou hemorragia capilar e pode haver erosão superficial da mucosa gástrica.1,3

Os principais achados patológicos na gastrite antral podem ser divididos em três grupos:8 (1) um processo agudo edematoso com envolvimento primariamente da mucosa e submucosa. O exame macroscópico revela induração muscular que simula neoplasma maligno. A mucosa é edematosa e suavemente avermelhada. Fluido edematoso exsuda da peça que sofreu ressecção recente. Há notável retração de mucosa; (2) úlcera mucosa com envolvimento da muscular da mucosa. À macroscopia vê-se induração não muito nítida, com espessamento moderado da parede gástrica. A mucosa é avermelhada, levemente edematosa e espessada. Há usualmente úlceras múltiplas, superficiais, bem demarcadas, variando de 1 a 4 mm de diâmetro (Fig. II-9-1). Essas úlceras são recobertas por secreção mucóide ou mucopurulenta e geralmente mostram hemorragia recente e tecido de granulação em suas bordas, o qual pode simular linfoma maligno quando visto pelo gastroscopista (Fig. II-9-2), e (3) um processo inflamatório crônico com hipertrofia da mucosa e infiltração de células redondas na muscular da mucosa, estendendo-se à serosa. Macroscopicamente há nítida infiltração e espessamento de toda a parede gástrica, lembrando a infiltração de uma neoplasia maligna. A mucosa está firmemente aderida à submucosa, como resultado do processo inflamatório prolongado. As pregas mucosas estão grandemente espessadas, apresentando uma superfície de aspecto verrucoso ou como contas de rosário. Nesse grupo as úlceras superficiais são raras (Fig. II-9-3).

Quadro clínico

O diagnóstico de gastrite antral não pode ser feito somente em bases clínicas, devido ao quadro não ser suficientemente definido.

A queixa mais comum é desconforto ou dor epigástrica, a qual pode ser em queimação ou aperto, que piora ou é desencadeada 5-3O min após as refeições. A epigastralgia é agravada por café, condimentos ou álcool, enquanto alcalinos, demulcentes e uma dieta branda aliviam os sintomas completamente, ou em parte. Podem ocorrer náuseas especialmente pela manhã, vômitos e, na maioria das vezes, perda de peso, que pode ser tão acentuada quanto nas neoplasias avançadas. Essa seria devido à diminuição do apetite e à limitação na ingestão provocada pela dor pós-prandial. Alguns pacientes exibem seqüência ulcerosa, "dói — come — passa", mas como já foi dito, a dor piora com a ingestão de alimentos.3,8

Ocasionalmente haverá hemorragia gástrica, que varia de leve a grave e fatal, exigindo ressecções de urgência.

Diagnóstico

Haverá discrepâncias no diagnóstico de gastrite pelo gastroscopista, radiologista e pelo patologista. O gastroscopista tem oportunidade de observar a mucosa, seus movimentos e cor e o efeito das ondas peristálticas sobre suas pregas. úlceras superficiais são facilmente identificadas à gastroscopia. O radiologista pode estudar a espessura e o movimento das pregas e pode detectar úlceras quando suficientemente profundas para formarem uma cratera. Também pode fazer um estudo da peristalse. Já o patologista não tem esses privilégios, mas conta com a vantagem de poder estudar toda a parede do estômago. Contudo, haverá variações na opinião de diferentes patologistas quanto ao diagnóstico, já que as alterações da gastrite inicial ou moderada diferem levemente do quadro microscópico normal.1

Radiologia. Um exame bem conduzido pode fornecer informações pormenorizadas sobre a condição da mucosa gástrica. A precisão aumenta com a fluoroscopia e com seriografias. Assim, em muitos casos, as alterações radiológicas serão suficientes para que o diagnóstico possa ser suspeitado. Em caso de dúvidas a gastroscopia e a biópsia completarão as informações para se excluir neoplasia.

As alterações radiológicas são devidas principalmente a edema e infiltração da mucosa e submucosa, com espasmo (Fig. II-9-1). Os achados incluem:

Hipersecreção: a secreção excessiva de muco é vista principalmente na fase aguda, impedindo o contato direto do contraste com a parede, mascarando completa ou parcialmente o relevo, dando aos contornos um aspecto nublado, mal delimitado, em que a passagem das tonalidades opacas para as transparentes se faz de modo gradual, roubando toda precisão aos limites. 6

Espasmo (e estreitamento) do antro: pode ser relativamente leve, incapacitando a região a voltar à largura (dimensão) normal após a contração, mas às vezes tão intenso que o antro aparece como um canal de pequeno diâmetro (Fig. II-9-4). Quando coexistem espasmo e úlcera péptica, geralmente localizada acima da região estreiteda, pode-se atribuir o espasmo à úlcera. Como o estreitamento pode ser intenso tanto na presença como na ausência da úlcera, é mais lógico pensar que o espasmo é resultado da inflamação de parede gástrica.2 Por vezes, estudos radiológicos repetidos revelam um antro espástico em estômago 7 normal com alterações funcionais por doença adjacente (Fig. II-9-5).

Irregularidade da peristalse antral: uma das características do processo inflamatório é o prejuízo da função. Assim, as ondas peristálticas tornam-se ineficientes em tempo e em profundidade (intensidade).

Retardo do esvaziamento gástrico, que pode ser agravado pelos fatores que se seguem: (1) espasmo pilórico, cuja presença não é obrigatória; (2) hipertrofia muscular pilórica. Seria devida à extensão do processo inflamatório à região pilórica; o sinal radiológico é o alongamento do canal pilórico com preservação das pregas mucosas. Quando há espasmo pré-pilórico concomitante, como freqüentemente ocorre na gastrite antral, os limites proximais do canal podem não ser identificados,2 e (3) deformações da mucosa antral (pré-pilórica), mais notáveis junto à porção distal da pequena curvatura, incluindo: (a) edema: há espessamento (alargamento) e elevação das pregas (dobras) mucosas, mas pregas alargadas podem estar presentes na ausência de doenças; (b) algumas vezes as pregas assumem aspecto polipóide, porém foram vistos casos em que a mucosa era lisa, como no carcinoma cirroso;1 (c) rigidez das pregas da região antral, em virtude de infiltração submucosa. Estudando-se a peça, vê-se que as pregas não se horizontalizam sob a pressão da mão do examinador, pela adesão da mucosa e da submucosa à camada muscular; (d) prolapso da mucosa gástrica para o duodeno: as pregas edemaciadas e alongadas (espessadas) podem se projetar através do piloro e formar defeitos de enchimento na base do bulbo duodenal, simulando neoplasia,1 e (e) pequenas úlceras nas áreas envolvidas.

Gastroscopia. Os achados variam conforme a classificação adotada para gastrite.8 Encontram-se: (1) considerável edema e hiperemia da membrana mucosa. O canal antral pode estar completamente ocluído e nunca se pode ter certeza se há ou não uma úlcera subjacente. A úlcera, entretanto, não é comum nesse grupo; (2) mucosa avermelhada, preferivelmente edemaciada. Há úlceras superficiais, a partir das quais o sangramento é freqüentemente visto pelo gastroscopista. Há usualmente abundância de material mucopurulento, e (3) a mucosa gástrica tem aparência pavimentada e pálida. As pregas mucosas são hipertrofiadas de aspecto verrucoso ou semelhantes a contas de um rosário e pode haver úlcera. O encurtamento normal do antro, associado às ondas peristálticas, está ausente. A incisura angular e o esfíncter pilórico parecem estar em posição fixa.

O diagnóstico diferencial deve ser feito com: úlcera pré-pilórica, hipertrofia do piloro, tecido pancreático aberrante na região antral, nódulos submucosos produzindo pseudopólipos e carcinoma gástrico.1 Esse é o principal objetivo do diagnóstico: (a) na gastrite antral a transição da área envolvida para o segmento normal é suave; no carcinoma é brusca; (b) o estreitamento antral na gastrite é uniforme e concêntrico; no carcinoma o comprometimento pode ser maior em urna curvatura que na outra;5 (c) as pregas mucosas estão presentes na área contraída quando se trata de gastrite antral; estão geralmente ausentes no carcinoma;5 (d) quase sempre existe alguma flexibilidade da parede na gastrite antral; no carcinoma anular, é completamente rígida 5 (e) a regressão das lesões com o tratamento clínico obviamente indica gastrite, 3 e (f) a presença de massa palpável fala a favor de carcinoma.

Tratamento

Um dos aspectos principais é não sobrecarregar a mucosa gástrica. Institui-se urna dieta branda com hidróxido de alumínio, como no tratamento para úlcera péptica. Deve ser lembrado que tão importante quanto a dieta e o antiácido é persuadir o paciente no sentido de abandonar fumo, álcool e café. A atropina ou beladona pode ser usada, havendo casos em que se indica o fenobarbital. Outra alternativa é o uso de bloqueadores dos receptores H2 Essas drogas aliviam os sintomas mesmo nos casos de pouca colaboração do paciente. 3

Deve ser pesquisado um distúrbio psicodinâmico subjacente, cuja resolução geralmente promove uma remissão significante dos sintomas.

A normalização radiológica é mais tardia, podendo ser encontradas alterações até 3-4 meses após a melhora clínica. É provável existir uma relação direta entre a duração da enfermidade e a persistência dos achados radiológicos após o desaparecimento dos sintomas. 3

O tratamento clínico é de primeira escolha e geralmente resolve a maioria dos casos.

Indicada e aceita a cirurgia, após a abertura da cavidade faz-se o seu inventário. Constatada a lesão, localizada estritamente no antro, este é mobilizado com secção além do piloro e das lesões que acometem a mucosa e parede gástricas.

A experiência mostrou que temos de envolver maior extensão da curvatura menor, tornando a secção gástrica oblíqua, no sentido crânio-caudal, da direita para a esquerda. Nesses casos, obviamente a anastomose deve ser a Biliroth I, que promove o aproveitamento do duodeno e uma anastomose gastroduodenal fácil e sem tensão. A vagotomia é dispensável, como nos nossos casos, a não ser que haja hipercloridria constatada no pré-operatório.

A peça, se possível, deve ser examinada por congelação que nos tranqüiliza ainda mais com o afastamento de degeneração maligna.

Referências Bibliográficas

1. BERG, H.M. Antral Gastritis. Radiology, 59:324, 1952.

2. GOLDEN, R. Antral Gastritis and Spasm. The Journal of American Medical Associator, 109:1.497, 1937.

3. HAWORTH, J.B. & RAWLS N.B. PrepyIoric local gastritis. Radiology, 53:720, 1949.

4. LÁZARO DA SILVA, A. & CASTRO, M.A.M. Antrite Química. Medicina de Hoje, 292, 1980.

5. PAUL, L.W. & JUHL, J.H. Interpretação Radiológica. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, S.A., 3 ed., 1977, p. 465.

6. TOLEDO, P.A. Radiologia Clínica do Aparelho Digestivo, São Paulo, Finocchiaro & Cruso Ltda. Editores, 1948, vol. 1, p. 282.

7. TURNER, C.J.; LIPITZ, L.R. & PASTORE, R.A. Antral Gastritis. Diagnostic. Radiologic., 113:305, 1974.

8. VAUGHAN, W.W. Antral Gastritis - Roentgenologic and Gastroscopic Findings. Radiology, 44:531, 1945.

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