Capítulo 01.06. Dor na Fossa Ilíaca Direita

Alcino Lázaro da Silva

Introdução

A fossa ilíaca direita (FID) representa um ponto de atenção médica por contribuir com rica e extensa patologia, tanto em condições de urgência como no atendimento eletivo.

Além de sua patologia, é referência para a manifestação clínica de acometimentos de estruturas adjacentes ou distantes.

As atenções dirigidas à fossa ilíaca direita decorrem desses fatos e do seu comportamento clínico variado e às vezes simulador, aparentando tratar-se de um caso cirúrgico quando na realidade é de tratamento clínico, ou vice-versa.

Resulta que o clínico e o cirurgião sempre têm situações de difícil decisão, quando se pensa em abertura de cavidade para esclarecer uma dor na fossa ilíaca direita. Esta decisão toma-se às vezes constrangedora quando se constata uma cavidade livre de patologia cirúrgica.

Patologias

A patologia é variada e extensa. São acometimentos locais, vizinhos e a distância, quando não gerais, que se manifestam principalmente através de dor na região.

A lista, de doenças que produzem dor na FID podem ser divididas em: digestivas, genitais, urinárias, osteomusculares, circulatórias, parietais e psíquicas. Além destas, pode haver um número significante de patologias a distância.

Observando-se mais atentamente essa enumeração de doenças pode-se agrupá-las, praticamente, em doenças cirúrgicas urgentes, eletivas malignas e eletivas crônicas, e em doenças clínicas urgentes e eletivas.

Não basta o conhecimento de toda esta relação para que se faça o diagnóstico positivo e etiológico e o conseqüente tratamento racional. É necessário o uso pertinente e oportuno de uma propedêutica que possa completar um exame clínico cuidadoso, paciente, vigilante e observador. Com estes recursos, pode-se chegar ao diagnóstico definitivo e executar-se terapêutica racional com menor possibilidade de erros, mesmo quando se inicia a terapêutica cirúrgica com urna laparotomia exploradora.

Os recursos clínico-propedêuticos existentes são múltiplos. Eles são usados de acordo com a suspeita diagnóstica e a forma de manifestação clínica: urgente ou eletiva. Nesta última, pode haver evolução crônica ou maligna

Fisiopatologia

Os acometimentos dos nervos somáticos ou viscerais manifestam-se sob forma de dores características ou interatuam-se provocando dores do tipo referida ou reflexa, Sendo o abdômen ricamente inervado, sobretudo pelos ramos do sistema nervoso autônomo e, entre estes, os oriundos do plexo celíaco, explica-se por que a sintomatologia dolorosa é exuberante e às vezes confusa. Corno os ramos do plexo celíaco inervam todo o delgado e o cólon direito e a direção da raiz do mesentério se faz de cima para baixo e da esquerda para a direita, situando-se em sua maior extensão no hemiabdômen direito, entende-se por que este e em especial a fossa ilíaca direita apareçam como as regiões mais freqüentemente acometidas pelas dores abdominais.

A dor na FID depende de doenças gerais, viscerais, peritoneais e de parede abdominal, em decorrência de acometimento direto do peritônio e musculatura abdominal, ou de maneira reflexa por inervação metamérica viscerossomática

As fibras aferentes sensoriais conduzem os impulsos dolorosos das vísceras abdominais, via plexo ou glânglio, celíacos, penetram na raiz posterior do respectivo segmento espinhal e atingem a modula. Aí, o estímulo se transfere para o segmento anterior, que produz uma contração muscular, metamérica, involuntária. O músculo contraído pode não se superpor exatamente sobre a lesão intracavitária, em conseqüência da mudança de posição que as estruturas sofrem no processo embriológico de desenvolvimento do feto. Assim, a distensão do intestino delgado estimula o SNA que, por sua vez, se continua com o nono ao décimo primeiro nervos torácicos, indo afetar da região umbilical ao quadrante inferior direito. O acometimento dos elementos do sistema geniturinário através dos últimos nervos torácicos apresenta-se também clinicamente com dor na FID. Na bexiga, que é inervada pelos ramos sacrais, a dor pode se manifestar nos quadrantes inferiores em decorrência de acometimentos de sua cobertura peritoneal.

Havendo dor reflexa na FID, por doença em estruturas adjacentes ou a distância, manifestações dolorosas referidas ajudam a orientar no diagnóstico diferencial: bexiga, região suprapúbica; rim e ureter, no testículo; vias biliares, no ângulo inferior da escápula porção central do diafragma, região supraclavicular etc.

A dor significa lesão orgânica, alterações funcionais (central ou metabólica) e distúrbios de motilidade.

Para caracterizá-la, verifica-se, quase sempre, a seguinte correspondência: dor localizada decorre de acometimento de um segmento de víscera; dor generalizada, presença de líquido estranho ao peritônio parietal; cólica, por movimentos anormais de segmentos que permitem fluxo de secreções (intestino, colédoco, ureter); dor reflexa dependendo, através da medida, da inervação metamérica, igual para a víscera e parede abdominal e a dor referida, quando o processo patológico atinge diretamente terminações de outros nervos (o nervo frênico, por exemplo, produz dor na fossa supraclavicular, quando numa gravidez tubária rota se encontra sangue na região infradiafragmática).

Propedêutica

A propedêutica de um paciente portador de dor na FID pode ser clínica, instrumental, radiológica ou laboratorial.

No caso urgente o exame clínico e a observação vigiada são soberanos. No caso eletivo cirúrgico tem importância o complemento da radiologia. No eletivo clínico, a radiologia e o laboratório se agrupam para completar o exame clínico inicial.

Nem todos os recursos são usados na rotina porque a maioria das patologias com dor na FID é cirúrgica. Entre estas, uma porcentagem significante fica por conta das patologias apendiculares, cecais (tumores) e urinarias.

Há necessidade de atitudes mais rápidas e vigilantes, razão por que a seqüência adiante constitui a rotina de exame de pacientes queixosos de dor na FID.

A enumeração não define prioridades. O seu uso, o cuidado e a insistência com cada um dos tópicos, e a própria prioridade dependem de cada caso em particular:

Comentários

No diagnóstico da dor na FID, apesar dos métodos de computação e da riqueza de exames complementares, o segredo maior é a habilidade que se deve adquirir em se obter uma história completa e precisa. Esta atitude diminui acentuadamente o número de laparotomias brancas.

Não há exames complementares específicos, e sim os de rotina (para afastar doenças intercorrentes, fazer levantamento de estado geral) e alguns especiais, como a punção exploradora por via parietal ou vaginal. No entanto, a indicação de cada exame dependerá de um bom exame clínico, aliado a uma observação paciente e criteriosa, sobretudo se o doente for criança, gestante, velho ou adulto obeso, cardíaco, diabético, hemofílico, em uso de corticóide ou que tenha se submetido a uma vagotomia. Estas condições alteram o ritmo, intensidade, extensão e gravidade das dores, dificultando uma avaliação segura e oportuna.

Nos casos urgentes a condição fundamental é a precocidade da suspeita diagnóstica para que a intervenção e recuperação sejam também precoces. Exceto em hemorragias por rupturas de vasos maiores, o mais viável, racional, sensato e seguro é obter-se o equilíbrio entre a cirurgia precoce e a observação vigiada, que dará ao médico a noção exata de que realmente a dor persiste por mais de quatro a seis horas. Esta condição é fundamental para decidir-se pela abertura da cavidade.

Perante uma dor abdominal aguda na FID, a expectativa principal varia com a idade, Na criança, orientar para intussuscepção, apendicite ou diverticulite. No jovem, para apendicite ou parametrites (na mulher). No velho, câncer e apendicite gangrenada.

Por ser mais freqüente, o acometimento do apêndice deve ser o centro do raciocínio clínico e propedêutico perante uma dor na FID.

Vejamos o que o apêndice pode oferecer de dificuldades:

1. A sua posição em relação ao ceco é variadíssima.

2. O ceco é alto no adulto e criança, respectivamente, em 1 e 25% dos casos; é baixo (pélvico no homem e na mulheres, respectivamente, 15 e 30% e pode ser ectópico (umbigo, fundo-de-saco de Douglas e à esquerda).

3. Sessenta por cento dos pacientes apresentam história clínica atípica.

4. À histopatologia pode-se constatar 14 a 39,6% de apêndices normais em operações onde havia suspeita de apendicite aguda.

5. Em pacientes internados com suspeita de processo agudo, 50% melhoram espontaneamente e 14% do restante têm outra patologia (p. ex.: linfoadenite).

6. Em condições normais, a dor apendicular faz-se via 100 nervo intercostal; em acometimentos mais avançados, a dor é mais intensa e depende do local do apêndice: retrocecal, acima da crista ilíaca póstero- lateral ou supraumbilical nas posições mais altas.

7. Na criança, há freqüentemente doenças extraperitoneais produzindo sintomas abdominais: pneumonias, pielite, amigdalite, gastrenterite, hepatite, febre reumática.

No diagnóstico da apendicite precisamos excluir:

Grupo I (onde a apendicectomia é perigosa): pleurite, cardiopatia, febre tifóide, porfiria, litíase renal, pielites.

Grupo II (onde a laparotomia pode ser necessária): ruptura de cisto, salpingites, colecistite, peritonite primária

Grupo III (onde a laparotomia é obrigatória): úlcera perfurada, diverticulite complicada, obstrução intestinal, perfuração do intestino, patologia ginecológica aguda complicada.

No caso eletivo, ou seja, na dor prolongada, pode-se planejar propedêutica cuidadosa, para que o diagnóstico seja positivo no pré-operatório. A atitude tem que ser intensiva porque não se pode nunca esquecer que o câncer encontra-se no diagnóstico diferencial. As causas da dor são múltiplas e dependem de acometimentos locais, vizinhos ou a distância.

As doenças locais e vizinhas podem ser catalogadas em digestivas, urinárias, genitais, parietais e osteomusculares, cada urna com sua característica e seu recurso terapêutico.

Há um paciente, sobretudo o jovem (sexo feminino), que apresenta forte tendência à conversão psicossomática, exteriorizada por dor na fossa ilíaca direita. Para este, deve ser dada uma especial atenção para que não se catalogue uma patologia orgânica, sobretudo se for neoplásica, como de fundo psicogênico.

Fundamentado no exposto, admitimos que frente a uma dor na FID, aguda ou crônica, o diagnóstico deve ser rápido, preciso e etiológico. Em segundo plano, tenta-se o diagnóstico sindrômico. Em terceiro lugar, afastar as causas locais, vizinhas e psicogênicas de tratamento puramente clínico. Feito isto, persistindo dúvidas, não esperar. Propor uma exploração abdominal, pois o atraso no tratamento de moléstias cirúrgicas traz acentuado aumento da mortalidade.

As vias de acesso para tratamento de doenças da FID ou para exploração cirúrgica são três. Se há diagnóstico de apendicite aguda, a incisão transversal, de tipo Babcock-Davis é ótima para o acesso. Se a apendicite estiver complicada, ela pode ser aumentada para a linha mediana cortando o músculo retoabdominal. Pode ser transformada, também, em lombotomia ou em paramediana, pararretal interna infra ou supra-umbilical (Elliot-Davis).

Nos casos duvidosos executa-se, inicialmente, a laparotomia paramediana, pararretal interna, medioabdominal direita. Feitos a exploração e o diagnóstico, poderá ser aumentada cranial ou caudalmente.

Em terceira alternativa fica a incisão transversal suprapúbica, de tipo Pfannestiel. Só poderá ser usada em casos mais simples, onde temos a certeza de diagnóstico sindrômico genital. Sua única vantagem é ser estética, mas tem inconvenientes, e para uma cirurgia de urgência, não oferece bom acesso, é pouco segura para determinados casos e não pode ser modificada com facilidade.

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